Intermunicipal

a Creusa
na primeira fileira
conta pra comadre no telefone
em alto e bom som
que a Taís ainda gosta do Thiago
mas viu o que não devia
e fez escândalo na porta da casa dele
    (com razão, segundo a Creusa)

na sexta fileira
o Renato
por sms
quer saber da Maisa
se eles ainda são um casal...
ela diz que nao sabe
e, nessa hora, os dois já sabem
que um já sabe que o outro já sabe
que sim
         (eles ainda são um casal)



logo atrás
o Júnior chama a Soninha
de meu bebê
        (coisa rara)
depois de ter sido pego em flagrante
esgoelando as tripas
no boteco da cidade vizinha
        (coisa não muito rara)


na penúltima fileira
uma moça que,
digamos,
não tem a beleza como ponto forte
e dona de um nome desconhecido
           (que eu posso inventar mas não quero)
liga a cobrar
pr'um tal de Carlinhos
sair logo de casa
que ela já tá chegando
-e tira a kelly do sol antes de sair! tchau!
 

e afinal
o que mais me intriga nesse ônibus inteiro
é como os rumos são tão distintos
e como eles se colidem tanto...

os destinos se encontram
e se separam
todos
os
dias

        às vezes em 3 segundos
        às vezes em 30 anos
 e pode ser
no ônibus,
   no metrô,
   no shopping,
na farmácia,
no mercado
ou no pontilhão
   
         ou em qualquer lugar

   (e também me intriga a pergunta "o que era a kelly?")

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