Eu tava sentado na mesa. Assim, só sentado. Caneta em uma mão, cabeça apoiada na outra, olhando pra porta. O marrom da porta não significava nada. Mas eu pensava nisso. Não vinha nenhuma ideia à cabeça. Tocou o telefone. A mão da caneta atendeu, deixou ela cair na mesa. Daquele jeito que pinga uma vez com cada ponta, sabe? O telefone na orelha e a voz na cabeça. Um acidente? Ok. Quando? Uhum. O papai? Uhum. Uhum. Morreu? Entendi. Uhum. Ok. Amanhã? Ah sim. Não encontraram né? Não né? De ninguém? Ok. Uhum. Velório só. Tá. Tá bom. Tchau. Meu pai morreu. Um avião sofreu acidente. Ele tava nele. Eu não sabia. Era com a amante. Isso eu também não sabia. Acho que agora eu tenho que fazer alguma coisa, né? Organizar. É, eu acho que as pessoas fazem isso. Organizam. Alguma coisa. O enterro. Mas não tem corpo. O velório. Ok, só o velório. Tem que avisar todo mundo. Todo mundo não, só algumas pessoas. Eu nem sei quantos anos ele tinha. Alguém vai me perguntar isso né? Vai. Ele era jovem. Jovem de...
Olha, a verdade é que escrever é quase igual cagar. Porque quem caga, não caga na hora que quer. E não caga onde quer, também. Quem precisa cagar, precisa cagar e pronto. E é assim que eu me sinto quando eu finalmente escrevo alguma coisa, sabe? Porque é uma necessidade física, e cada vez que eu coloco um ponto final em cada texto, eu sinto um alívio tão grande que deve valer por umas três cagadas ou mais. Ah, e tem aquele incômodo de passar dias e dias sem escrever uma linha sequer, e tem também aquela vez que até sai alguma coisa, mas não dá pra falar que você escreveu um texto novo, de fato. E todas as vezes que você não escreve aquela ideia na hora, e ela acaba indo embora E sabe-se lá quando ela vai voltar Se é que ela vai voltar Por isso que eu sempre ando com um bloco de notas, sabia? É porque uma vez eu vi um careca da tevê falando, e disso eu não vou esquecer tão cedo: "nunca se recusa uma ida ao banheiro" E é isso que eu faço Porque no fundo é tudo a mesma coisa, nã...
Coração de vidro, bombeia veneno e pede antídoto, espera dor e procura amigo, amor, um segundo de conforto; um segundo estando morto Coração de vidro, procura o reto e acha o torto, tem o pulmão cheio de tabaco, o fígado de álcool e sempre se termina em caco.
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