Fotógrafo

Ninguém está vendo, mas ela existe. Ela está bem ali, escondidinha. Na grande cidade, naquela região de lá, no segundo bairro. Naquela rua, no décimo terreno de cima pra baixo, dentro da casa amarela. No quartinho do fundo, tá ali. No sofá, no rosto do homem. Bem debaixo do olho esquerdo. A lágrima.

Ninguém dá muita atenção à ela, porque no dia-a-dia ela fica seca, evapora. Deixa só uma risca clarinha pra trás, que marca a bochecha desse quase senhor de cinquanta e tantos anos. Homem que sempre se divertiu. É daqueles que sempre sorri e que, apesar dela, continua sorrindo. Pode não ter o mesmo significado de antes, mas o sorriso é o mesmo. Ele ainda levanta cedo, mas agora é porque precisa. Depois de levantar vai pro trabalho. Não é o trabalho de todo dia, mas é que agora quando chamam ele, ele tem que ir. A câmera, sabe? Não funciona mais do mesmo jeito. Antes ele via, sentia, enquadrava, clicava e dali não saía mais o sentimento. O pão na mesa era efeito colateral. Agora a máquina não faz mais isso. Ele espera a ordem do que traz o pão, porque ele precisa dele. Quando a ordem vem, ele olha, enquadra e não sente, mas clica. E ali fica o clique. Soando na sua cabeça. Por mais um dia e mais um dia e por aí vai. 

Mas no fim do dia ele volta pra casa. Pro seu sofá. Pra sua lágrima. E ali ela fica, junto com ela. Estática.

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