Dentista

Dizem que ir ao destista é um dos grandes medos de todas as crianças. E dizem que a maioria dos medos são irracionais. Bem, esse não é um deles. A ida ao dentista se resume a horas de espera e sofrimento, para, depois, ainda ter que pagar por isso.

Toco a campainha do consultório e encaro meu reflexo na porta espelhada, como se ninguém pudesse me ver do lado de dentro, até que a porta se abra. Entro no consultório, aonde, junto de mais oito desconhecidos, aguardo até as cinco horas, pela minha consulta das três e meia, assistindo aos clipes do Abba, na televisão da sala de de espera. A assistente do dentista finalmente me chama e me leva até a sala, aonde me deixa pronto para ser examinado, limpado, higienizado, exterminado por ele. Ela põe todos aqueles aparatos, lenço no pescoço, óculos protetor e até me da um papelzinho, caso precise limpar a boca depois. Acredito que de cada dez casos de TOC extremo, nove são dentistas.

A experiência do começo pode até parecer boa, mas é porque o pior está em seguida. Chega o dentista, que me comprimenta, pergunta como anda a minha alimentação, e essas coisas. Em seguida, comigo já deitado na maca, ele passa manteiga de cacau nos meus lábios, para evitar qualquer tipo de ferimento ou rachadura, que possa ser causada, o que, obviamente, não funciona. Ele pega de sua mesa, um tipo de jato de água com, o que acredito eu, é bicarbonato de sódio, e coloca um sugador na parte direita da minha boca, enquanto sua assistente segura outro, do lado esquerdo. 

Começa o processo de limpeza, os primeiros esguichos são até aceitáveis, não doem tanto e causam um sabor bem salgado, um tanto quanto agradável. Conforme o tempo vai passando, a dor começa a aumentar, eu sinto minha gengiva sendo esfolada pelo bicarbonato de sódio e um certo gosto de sangue aparece em meio ao gosto salgado. Agora já estou com a boca toda rachada, nos lábios. Nesse ponto, minha língua já não encontra mais nenhuma posição confortável e passa a me encomodar profundamente. Mas não posso deixa-la sobre os dentes ou sobre a gengiva, em lugar nenhum realmente, então ela simplesmente existe na minha boca, naquele momento, e não tem nada que eu possa fazer. 

Eu tento me distrair. Entre os ombros do dentista e de sua assistente, tento pescar algumas imagens da televisão que se encontra pendurada no teto. Somente consigo ver alguns flashes de um show, que me parece ser da Ana Carolina ou da Daniela Mercury (possivelmente do Roberto Carlos), mas não consigo identificar com certeza. 

Depois de esgotar todas as ideias que haviam na minha mente, contar até cem em quatro línguas diferentes e repassar algumas histórias na minha cabeça, percebo que estou começando a me afogar com a água que está parada na minha boca. Concentro todas as minhas forças para não engasgar e, logo quando, acredito eu, já estou começando a mudar de cor e me asfixiar, o dentista tira os aparatos da minha boca e me da a ordem para cuspir. Como o grande final de uma orquestra, eu levanto em um só movimento e disparo todo o líquido, mesclado de aguá, bicarbonato de sódio e sangue, que estava na minha boca, em direção a parede - e não da piazinha ao lado da maca, como esperado. Em seguida, com toda a classe que tenho, pego o lenço de papel, limpo a boca e me levanto como se nada houvesse acontecido. Comprimento e agradeço o dentista e sua assistente, e saio do consultório. Assim foi minha última ida ao dentista, e pretendo manter a última.

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